sexta-feira, 4 de novembro de 2011

04/11/2011 - MAIS LICENÇA

     Amigo diário, aqui estou eu...
     Então, hoje o dia foi tedioso... Além das atividades de rotina fui à junta médica para fazer exame mensal, o psiquiatra não me liberou para voltar ao trabalho,  fez um laudo dizendo que tenho "delírios persecutórios", o que será que falei para ele  fazer esse diagnóstico tenebroso?   
    Será que surtei mesmo? Eu só disse   que ele estava muito bonito na televisão,  falando sobre os maníacos matadores em série. E estava mesmo, eu o assisti    na TV, e comentei isso. Será que não era ele? Mas era tão parecido! Meu Deus, então só pode ser isso, por que ele só me perguntou se estou melhorando, eu disse que sim...
    De qualquer maneira se não volto ao trabalho, em casa o que não falta é trabalho, lavar, passar, cozinhar, fazer faxina... imagina, três filhos e um marido, é trabalho prá dedéo, e aí não vai nenhum delírio persecutório...
    Ok diarinho, vou te deixar, voltarei amanhã, tá?
    Olha, estou gostando muito de  te escrever, vc é muito legal, pois não me julga, não critica, fica pacientemente me escutando, vc é o melhor terapeuta do mundo. . Até amanhã.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

DIÁRIO DE UMA DEPRESSIVA

Querido diário!
   Como você não me conhece, nem tem idéia da minha pessoa, quero me apresentar: Meu nome é Maria Cecília, aliás, nome que não gosto, nem um pouco, e carrego nesses 50 anos, porém tenho que respeitar a escolha de meus pais (que Deus os tenha...).
  Mas por que não gosto? Não me soa bem, é muito imponente, comprido, e ainda o cí de Cecília soa como uma sílaba muito forte, nada a ver comigo, e o pior, é um nome composto. Não aprecio os nomes compostos, eu sempre pensava que as pessoas deveriam ser conhecidas por um só nome, e pronto. Voltando ao assunto, estou escrevendo este diário pois nessa altura da minha vida senti a necessidade de registrar meu dia a dia, talvez pela condição em que me encontro atualmente, o que me favoreceu a ter um tempinho “ocioso”, então...
  Concordo que é um tanto tarde para se iniciar um diário, mas como diz o velho ditado “antes tarde do que nunca”. É uma pena mesmo que não tenha tido essa idéia a muitos anos atrás, tipo na adolescência como muitas garotas fazem, mas fazer o quê? Não que tenham acontecido lances mirabolantes no passado, nada disso, mas deve ser muito interessante reviver épocas remotas de nossa existência. Como não fui capaz de catalogar esses acontecimentos, devo me contentar com minha memória remota, que, aliás, não é muito boa. Desconfio que sou candidata potencial a sofrer do mal de Alzheimer. Estou tentando condicionar meu cérebro para fugir dessa doença terrível, faço palavras cruzadas, sudoku, leituras, etc... tudo que os neurologistas recomendam para se ativar os neurônios. Nada contra os doentes, eu só penso como seria terrível para minha família cuidar de mim, imagina, uma pessoa do meu tamanho, ir ficando cada dia mais dependente, perder totalmente a memória, voltar a ser criança, fazer as necessidades fisiológicas na fralda! É um sofrimento que eu realmente não gostaria de dar aos meus filhos, sei o quanto é penoso ter uma pessoa doente em casa!!! Então diário, vou fazendo meus exercícios mentais, palavras cruzadas, cálculos, pelo menos vou tentar me prevenir desse infortúnio. Ah! O álcool e cigarro, amigos íntimos do mal de Alzheimer, eliminei há muito tempo também, aliás quando me lembro que fui fumante me bate um arrependimento tão grande, quanto dinheiro e pulmão desperdiçados, e que graça tem ficar puxando aquela fumaça? Meu Deus, que ridículo!
  Amigo diário voltemos ao ponto, olha, estou te iniciando no dia 3 de novembro de 2011. Vou então fazer um breve resumo da minha vida até chegar o dia de hoje, ok? Um resumo bem resumido, pois o que passou passou, então só vou descrever minhas referências, ok?
  Com disse antes, nunca gostei do meu nome, porém meu apelido familiar me salvou de ouvir esse nome que me “dói” nos ouvidos, então Cila, a forma como sempre fui tratada pela família e pessoas mais próximas me salvou. Gosto de ser chamada assim, é um apelido suave, carinhoso. Mas inevitavelmente nos relacionamentos mais formais eu não podia me apresentar como Cila, então eu sempre procurei dar um jeito de me chamarem simplesmente de Cecília, e deu certo, raramente precisei ouvir meu nome inteiro, que ótimo!
   Minha trajetória foi normal, como a maioria dos viventes. Nasci em uma cidadezinha no interior do estado de Mato Grosso do Sul, aliás, na época era Mato Grosso, um estado apenas, dezessete anos após meu nascimento é que o Estado foi dividido, eu que era matogrossense virei sul matogrossense, ou não? Ainda não tenho certeza disso, mas em todo caso, a cidade em que nasci fica no estado de Mato Grosso do Sul, bem na divisa com o Estado de São Paulo.
   Nasci lá por acaso, papai  que era militar estava servindo lá nessa época, sou a filha mais velha, e lá também nasceram meus outros quatro irmãos, porém quando eu tinha dez anos de idade nos mudamos para uma cidade do Nordeste.
   O que mais me marcou na cidade em que nasci foi a situação geográfica, à beira do rio Paraná, então minha infância foi marcada pela travessia daquele rio imenso, aliás, em tupi-guarani Paraná tem mais ou menos o significado de “rio que parece mar”. Então diário, que coisa maravilhosa a lembrança daquela imensidão de águas! Mas logo em seguida vem a lembrança da construção desenfreada de uma obra gigantesca, uma usina hidrelétrica, na época a maior do país. Lógico, precisamos de energia, sem ela não haverá desenvolvimento para o país, não haverá industrialização, progresso e tudo mais. Mas nunca mais aquela cidade foi a mesma, o rio virou uma represa e ficou feio, o clima ficou ruim, o impacto ambiental foi uma tragédia. Não gosto de me lembrar, vou pular a outra parte da minha vida, só queria registrar essa parte da minha infância que ficou como uma cicratiz aberta, dói quando relembro, dói na alma. Ficou marcada a impressão de que mataram o “rio que parece mar”. Ele não estava mais lá, não fazia mais o barulho dos redemoinhos, não tinha mais o cheiro dos peixes que inebriava a cidade... O rio que parece mar virou uma lagoa, parada, sem graça, sem cheiro, sem energia, que triste lembrança.. Não voltei mais depois que nos mudamos, porém posso imaginar a destruição que continuam fazendo por lá, por isso nunca pensei em visitar minha cidade natal, prefiro ficar aqui em Sampa mesmo, já a adotei como minha cidade.
  Hoje me encontro na idade madura de 50 anos, nem tão bem vividos. Sou funcionária pública e estou de licença médica há quase um ano, em vias de me aposentar devido à depressão que se apoderou de minha mente. Mas até que estou feliz, ou melhor,  pseudofeliz, pois o trabalho que eu executava era para mim motivo de sofrimento, então não precisar enfrentar aquelas situações aterrorizantes é um motivo de paz espiritual, e assim venho me sentindo melhor.  Vou ao psiquiatra mensalmente e tomo três medicações antidepressivas, e ainda faço psicoterapia uma vez por semana com uma psicóloga  muito querida. Esse tratamento me deixa uma pessoa “quase normal”. A tristeza tem hora marcada, é quando está anoitecendo, aí não tem jeito...parece uma febre de malária, pois o doente já sabe a hora que a febre vai chegar e se enrola no cobertor até passar o calafrio. Estou assim também, já sei que vai começar a “febre da tristeza”. Então procuro uma comunhão com Deus, entrego meu espírito, sei que estou sentindo isso por determinação dele, então vou enfrentar sim, o pai não abandona o filho, e não vai me abandonar, claro! Senhor Deus, como és misericordioso, leva logo a tristeza embora, obrigada meu pai amado...
   Mais alguns detalhes sobre mim: Além de funcionária pública sou dona de casa, tenho três filhos adolescentes, Ana (16), Lia (15) e Ian (13). Será que percebeu algum detalhe nos nomes dos meus filhos, diário?      Isso mesmo, eu escolhi todos, e nesse ponto não abri mão, procurei os menores nomes possíveis, será pelo trauma do meu próprio nome? Talvez tenha ficado no sub consciente, então me vinguei, coloquei nos filhos nomes que eu gostaria de ter, pequenos, simples e poéticos! De certa forma me sinto com a alma lavada, fui mãe aos 35 anos, então esperei um bom tempo para poder exercer o poder de escolher os nomes que eu gosto. Se eles gostam? Nunca reclamaram, acho que gostam sim, e eu amooooo!
  Meu marido Roberto é a pessoa que   está a meu lado, nessa hora difícil e em tantas outras. Acredito que Deus colocou esse anjo no meu caminho, mais uma benção que agradeço a Deus! Não  vou falar muito da minha família diário, meu marido e filhos não fazem parte da minha  parte depressiva, faço todo o possível para não  envolve-los  na minha doença, o fato de presenciar suas atividades, interesses e cheios de espectativas pela vida, me deixa aliviada.
Amigo, penso que para um primeiro dia você já está bom, amanhã voltarei para continuá-lo, ok?
Boa noite, amigo, fique com Deus!!!